Bienal do RJ terá lançamento de livro inédito de Ziraldo: "Não há oportunidade melhor", diz sobrinha
"O caminho das sete tias" surgiu de texto deixado pelo autor com editora; programação inclui ainda biografia ilustrada e mural grafitado com personagens
Ziraldo (1932-2024) e a Bienal do Livro do Rio tiveram um relacionamento duradouro e cheio de reciprocidade. Desde o primeiro evento, em 1983, no Copacabana Palace, o criador do Menino Maluquinho esteve presente em todas as edições da feira, quase sempre provocando filas de crianças e adultos em busca de autógrafos. A atual edição, de 13 a 22 de junho, no Riocentro, prestará diversas homenagens ao autor mineiro "naturalizado" carioca. Dentre elas, o lançamento de um livro inédito de Ziraldo, "O caminho das sete tias".
Na década de 1990, Ziraldo entregou o manuscrito de “O caminho das sete tias” à Editora Melhoramentos e pediu que não o publicassem. “Vamos guardar para uma próxima oportunidade”, dizia o bilhete deixado junto aos escritos datilografados e cheios de anotações feitas à caneta.
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Quase 30 anos depois, a obra ganhou forma e vida. Escrito como parte da coleção “Tias”, o texto narra a história de um príncipe encantado que, diante de uma infelicidade, é guiado por sete tias mágicas em uma busca por significado e alegria. Cada tia se refere a um dia da semana, um planeta, uma cor, um pecado capital e uma nota musical — temas que giram em torno do número sete e que frequentemente eram trabalhados por Ziraldo.
— Estávamos revisitando o que temos nos nossos arquivos e encontramos algo feito pelo Ziraldo. Achamos que poderia ser algum livro já publicado, mas logo vimos que era inédito. Não havia nenhum desenho, ilustração ou conceito criado, era apenas a história — diz Carolina Alcoforado, diretora de Novos Negócios da Melhoramentos.
Descoberto no início deste ano, o manuscrito foi enviado ao Instituto Ziraldo com o convite para elaboração do projeto gráfico, tarefa que ficou sob comando de Adriana Lins, sobrinha do autor e diretora artística do instituto. A ideia, desde o início, era lançarem a obra na Bienal do Rio.

— Foi uma surpresa. (O texto) é um conto de fadas, todo rimado como os outros da coleção, mas também é muito aberto e inspirador. Não há oportunidade melhor do que essa para publicá-lo — diz Adriana.
A família, o instituto e a editora acreditam que o livro não tenha sido publicado no ado justamente por ser mais denso que os demais da coleção de 1996 (“Tia nota dez”, “Tia, te amo” e “Tantas tias”). Enquanto os três falam sobre a relação do autor com suas tias, o novo livro traz uma mensagem mais simbólica e livre para interpretações.
Apesar de ser designer e não ilustradora, Adriana topou o desafio de ilustrar a obra. Ela conta que recebeu o texto no carnaval e dias depois já tinha um esboço das páginas. A obra póstuma e inédita acaba por homenagear a estética do primeiro livro de Ziraldo, o “Flicts”, de 1969, cheio de cores e de figuras geométricas.
— Ele é verborrágico, com palavras não tão fáceis para crianças, e o lado simbólico traz tantos elementos e informações que senti a necessidade de ter alguns respiros. Então, entendi que ele precisava ser gráfico e sem imagens figurativas, assim o texto seria o protagonista e as cores se transformariam em personagens. Para ser figurativo, só se o Ziraldo tivesse ilustrado — brinca ela.
“O caminho das sete tias” também ganhou uma trilha sonora composta por Antonio Pinto, produtor musical e filho de Ziraldo. Ao final do livro, há um QR code que direciona o público para uma página com a música instrumental — composta no como sete por quatro, para seguir a temática da história.
Uma vida cheia de metáforas
Outro lançamento do evento sobre Ziraldo é a biografia ilustrada “Peixe grande”, da Global Editora. No livro, Guto Lins conta a história do amigo e ídolo de maneira metafórica, transformando-o em um peixe cheio de talento e bom humor que começa sua trajetória no Rio Doce, em Minas Gerais, e termina no mar, no Rio de Janeiro. Assim como em “Entre cobras e lagartos”, de 2024, Guto materializa em seu texto o acervo vivo no qual o Instituto Ziraldo tem trabalhado, com imagens e ilustrações feitas pelo próprio artista no ado.
— É a história de um peixe sorridente de água doce que entende que aquele espaço do rio se torna pequeno demais para ele e sai divertindo todo mundo, fazendo amigos e seguindo a correnteza até desaguar no mar — diz o autor.
O casal (Guto e Adriana) contou ao Globo que a ideia do peixe amigável vem do fato de Ziraldo sempre ter sido muito bem-humorado.
— Ele sempre chegava com uma piada e fazia todo mundo rir. Quando ele ia embora, a festa ficava triste. Tudo o que está escrito e ilustrado (na biografia) é o Ziraldo que a gente viveu nas festas de família e nos encontros profissionais — divide a sobrinha.
Cheia de alusões às suas criações, a obra e a metáfora não trabalham apenas com seu grande legado como artista, mas também retratam uma feição mais intimista de Ziraldo. Guto, que conviveu pessoal e profissionalmente com o artista por mais de 30 anos, o teve como tese de seu doutorado e escreveu diversos prefácios em suas obras e textos a seu respeito.
— Ele brincava que por isso eu seria o seu melhor biógrafo. Foi fácil escrever sobre ele porque é fácil para qualquer um falar sobre o seu próprio ídolo. Foram as ilustrações (do Ziraldo) que puxaram o texto — divide Guto.
A Bienal de Ziraldo
A partir de quinta (12), véspera da Bienal, o público também poderá conferir o Mural Ziraldo. Feita pelo grafiteiro Gardpam, a instalação abrange 485 metros quadrados das paredes do Riocentro e eterniza obras e personagens do artista, como a Turma do Pererê, a Supermãe e a Professora Muito Maluquinha.
Uma parte do mural traz o retrato de Ziraldo sorridente e com uma a na cabeça — em referência ao seu mais famoso personagem, o Menino Maluquinho. Há ainda um trecho que retrata as grandes filas de crianças e adultos que aguardavam por um autógrafo do artista nas edições do evento.
— Sempre que tinha Ziraldo tinha também uma fila de autógrafos que durava no mínimo umas cinco horas. Ele adorava conversar com o público — diz Adriana Lins, que assina a curadoria da instalação junto de Daniela Thomas, diretora do Instituto Ziraldo e filha do artista, e Mig Mendes, parceiro da instituição.
A presença do autor e ilustrador seguirá ao longo da programação da Bienal. Nesta sexta (13), às 14h, a mesa “Ziraldo: cidadão do mundo” transforma em tema e questionamento uma frase dita frequentemente por ele: “ler é mais importante que estudar”. Com mediação da própria Adriana Lins, a conversa será entre os autores Guto Lins, Cristino Wapichana e Anna Claudia Ramos e Mariana Salvadori, representante de Projeto de Cultura da UNESCO no Brasil.
Ainda, na quarta-feira (18), às 10h30, Flora Manga performa as histórias de “Uma professora muito maluquinha”, que completa 30 anos em 2025, e “O caminho das sete tias”. No mesmo dia, às 19h haverá uma sessão do filme documentário “Ziraldo, era uma vez um menino”. Dirigido por Fabrizia Pinto, filha do artista, o longa fala sobre vida, obra e presença do autor na cultura brasileira.